domingo, 27 de fevereiro de 2011

Morre Moacyr Scliar

O Projeto de Comunicação Rádio e Jornal Riachuelo faz uma homenagem a esse grande mestre, postando esta entrevista que o escritor deu ao jornal, na Feira do Livro de Capão da Canoa, em 2008.

Jornal Riachuelo - Ano II - Nº 7 - Maio de 2008

Moacyr Scliar visita Capão da Canoa
Por Rafael Dalssotto e
Bianca Matos de Barros


JR - O que estás achando de
Capão da Canoa?
Moacyr Scliar - Capão da Canoa é uma
cidade muito importante para mim, pois aqui
passei uma agradável parte da minha infância.
Naquela época, as praias eram muito rotuladas
- o que felizmente hoje já mudou - Torres, por
exemplo, era a praia dos aristocratas; Capão
da Canoa era considerada a praia dos pobres.
E realmente, a minha família era muito
pobre. Meus pais eram imigrantes russos,
morávamos no bairro Bom Fim, em Porto
Alegre e veraneávamos aqui uma semana
por ano. Essa cidade de lá pra cá, cresceu
muito. Naquela época, havia só quatro hotéis
rústicos, de madeira - vocês podem imaginar
do que eu estou falando, da pré-história (risos)
- só havia luz até as dez da noite, quando tudo
se apagava e éramos obrigados a dormir. As
divisórias entre os quartos não os separavam
totalmente, ficava um espaço entre o fim da
parede e o teto, de modo que podíamos ouvir
tudo o que se passava no quarto ao lado, o
que vocês podem imaginar que foi uma ótima
iniciação para mim (risos).
JR - Quais os teus escritores favoritos,
que mais influenciaram a tua obra?
Moacyr Scliar - Érico Veríssimo, Graciliano
Ramos, Machado de Assis, entre outros.
JR - Hoje a internet invade tudo, inclusive
a linguagem. Muitos professores, se
deparam com textos escritos no “internetês”,
que vem atrapalhando muitos alunos
em ocasiões importantes, até mesmo no
vestibular. O que você acha disso?
Moacyr Scliar - Eu vejo o “internetês”
como um código. Na minha época, por
exemplo, havia a língua do “P”, que aliás, eu
nunca consegui falar. Hoje é o “internetês”. Eu
acredito que não há problema em usá-lo,
mas somente na internet. O necessário é saber
em que hora usar que tipo de linguagem.
JR - Alguns de teus livros fizeram parte de
um movimento chamado Realismo Mágico
ou Realismo Fantástico e são trabalhados
pelos professores de Ensino Médio. Muitos
alunos têm dificuldade de compreender este
tipo de obra. O que tu tens a dizer sobre este
movimento?
Moacyr Scliar - Este movimento espelhava
a realidade da maioria dos países da América
do Sul, naquela época, que era a vida sob
ditadura. A censura era muito forte, e então,
se escrevia a história de um modo fantástico,
extraordinário, para que se pudesse fazer uma
crítica política sem que a censura notasse, sem
ser perseguido. Eu poderia citar como exemplo
o livro de um escritor que eu gosto muito,
que é o Gabriel García Márquez, em que ele
narra a queda de um anjo em um campo de
seu país. O anjo é uma figura tipicamente
latina: é sujo, tem as asas cheias de piolhos,
faltam-lhe dentes... E o dono do lugar onde
ele caiu o aprisiona em um galinheiro e passa
a cobrar pela visita daqueles que quiserem
vê-lo. Mas felizmente, a ditadura no Brasil
não existe mais, assim como este movimento
literário também não.
JR - Há algum tempo houve uma
polêmica envolvendo um escritor canadense,
que teria plagiado uma obra sua. Como foi
isso?
Moacyr Scliar - Sim, ele leu o meu livro
Max e os felinos e achou que a idéia do livro era
muito boa para ser desperdiçada na obra de
um escritor sul americano. Ele plagiou a minha
obra e ganhou vários prêmios, sem nunca nem
se dar ao trabalho de me comunicar - porque
não haveria problema para mim se ele me
ligasse ao menos pra dizer que havia usado
meu livro pra se inspirar - e marca muito este
desprezo. Mas tudo ficou assim.
JR - A sua obra é muito marcada
pela parte social, tende a mostrar o lado
daqueles que sofrem preconceito, que são
discriminados, principalmente pela religião:
você é considerado um dos melhores escritores
na temática judaica do mundo (eu poderia
citar como exemplo seu livro O Centauro no
Jardim, eleito um dos 100 melhores livros
sobre judaísmo dos últimos 200 anos). A seu
ver, como está a produção dessa literatura
social, que espelha a realidade dos oprimidos
no Brasil?
Moacyr Scliar - Na verdade a literatura no
Brasil hoje é muito mais voltada para a questão
da violência e das drogas do que para o lado
daqueles que sofrem preconceito, até porque
a situação social destes melhorou muito nestes
últimos anos. O grande problema do Brasil
hoje é a violência e as drogas, e a literatura e o
cinema vêm espelhando essa realidade.
JR - Pra qual público você gosta mais de
escrever?
Moacyr Scliar - Para os jovens,
especialmente, aqueles em torno de 15, 16
anos.
JR - Como é o teu processo de criação
literária?
Moacyr Scliar - Idéias podem sair de
qualquer lugar. Eu escrevo há 15 anos para o
jornal A Folha de São Paulo, todas as segundas-feiras,
fazendo crônicas em cima de notícias
reais. Para isso, leio o jornal todos os dias, e às
vezes só encontro uma idéia para a crônica no
último dia. Mas sempre encontro. Tendo uma
boa idéia, tudo flui com facilidade.
JR - Muitas pessoas têm o hábito de
escrever, mas poucas escrevem bem. Qual o
segredo de escrever bem?
Moacyr Scliar - A diferença entre a
pessoa que tem uma boa idéia e um escritor,
é que o escritor, além de ter uma boa idéia,
sabe escrever. Saber escrever depende de
prática; meu conselho é ler muito os autores
indicados pelos professores, que têm mais
experiência, e também os autores dos quais
a pessoa mais gosta. E, principalmente, gostar
de escrever. Também saber distinguir as boas
idéias daquelas nem tão boas assim: a boa
idéia é aquela que te persegue, que não te
abandona enquanto você não der atenção a
ela. E também é bom escrever sem ter grandes
planos: já houve pessoas que me procuraram
dizendo que tinham idéias para escrever livros,
me perguntando como entrar em contato
com editoras e quando eu perguntava “e
onde está o seu livro?”, me respondiam “ainda
não escrevi.”, então eu dizia “então escreva
primeiro.”. O primeiro passo é escrever.
JR - Como foi para você ter entrado na
Academia Brasileira de Letras em 2003?
Moacyr Scliar - Bem, na verdade foi
uma aventura, foi algo que eu nunca tinha
almejado. Na época houve uma polêmica,
envolvendo o grande poeta Mário Quintana,
que se candidatou e não conseguiu ser eleito.
Mas ele cometeu um grande erro: ele se
candidatou por insistência de outras pessoas,
não por vontade própria. Ele não fazia a menor
questão de se eleger. A candidatura envolve
certas formalidades, como visitar os membros
da Academia, entre outras coisas, que o Mário
Quintana sempre dizia que não iria fazer.
Os gaúchos levaram mais a sério, como se a
Academia tivesse algo contra os escritores
daqui. Então me propuseram que eu me
candidatasse, me disseram que eu tinha boas
chances. A princípio não me interessei, mas
chegou um ponto em que percebi que teria
de escolher: ou me candidatava ou teria que
me mudar do Rio Grande do Sul, pois todos
me cobravam a candidatura. Então, resolvi
tentar e consegui.

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